O MEU
AMIGO H.

O MEU AMIGO H.

15 SETEMBRO — 21:30
TEATRO MICAELENSE  / ILHA DE S.MIGUEL

FOTOGRAFIA © Renato Cruz Santos, para Culturgest


O espetáculo de teatro, “O Meu Amigo H.”, assinado por um dos autores mais contraditórios do séc XX, Yukio Mishima, expõe mecanismos de sobrevivência política e dá-nos a ascensão do ego, do horror e da desumanização.

  • Depois de ser eleito líder do país e ter neutralizado todas as forças que se lhe opunham, H. tem a possibilidade de aumentar ainda mais o seu poder: o Presidente actual está às portas da morte e, com o apoio das Forças Armadas, H. pode suceder-lhe. Mas dentro do Partido há quem veja as Forças Armadas como uma relíquia do passado: uma instituição reacionária, corrupta e anquilosada. O futuro do país para o capitão do exército de arruaceiros, o número dois do Partido, velho amigo de H., depende da força do seu exército pessoal e não das Forças Armadas. O seu exército de três milhões de homens tornou-se a verdadeira força armada do país. H. teme o descontrolo deste exército, um grupo de arruaceiros e bêbados que controlam o país pelo terror. Teme-o também porque, caso se associe a ele, o exército pode fazê-lo cair. Ao mesmo tempo, o intelectual do Partido, próximo dos trabalhadores e das estruturas sindicais, pode ser também um perigo para H.. A solução, para satisfazer as chefias das Forças Armadas e os industriais que o financiam (entre os quais está o magnata do ferro, defensor das Forças Armadas e da guerra que o enriquece), é acabar com ambos esses perigos: matá-los. Na Noite das Facas Longas, o militar, o intelectual sindicalista e centenas de outros membros do Partido foram assassinados, o exército foi extinto e a situação controlada. 

    O resto já sabemos ou já o esquecemos?
    A questão levantada por Mishima, sobre os corredores do poder, nesta peça tão calculista, pode hoje ser colocada desta forma: o que pode um Regime fazer quando aqueles de quem precisou, aqueles que manipularam as massas em seu favor, se tornam incómodos? O Regime não sobrevive sem a multidão, é certo, mas tem lugar para intermediários ou precisa de ser ele, no fim de contas, a controlá-la?

    Esta não é uma peça sobre a política, o colectivo, mas sobre uma estética da guerra permanente, da revolução sem fim, sobre a masculinidade e a brutalidade da beleza, quando a beleza pura, sobre humana, é o único ideal que nos orienta. Aqui só há espaço para a pequena política, a de bastidores, a dos pequenos jogos internos de poder e de sobrevivência. Vemos a ala direita e esquerda, respectivamente, do Partido. O seu poder apoia-se no controlo de sectores diferentes da população. Mas são assim tão diferentes, por muito díspares que sejam os seus argumentos? 
    Fazer hoje, esta adaptação, limpa da iconografia nazi, esta peça de homens, fazer hoje este texto tão frio e problemático e tão embriagado pela poesia da violência e da morte, é uma oportunidade para pensar sobre este outro espectro que, uma vez mais, avança sobre a Europa, o da destruição, da proibição, da intolerância, do lucro, dos ajustes de contas, do ressentimento e da nostalgia dos passados por cumprir: se quisermos, para usar uma palavra tão cara a Mishima, o do patriotismo.
    A Teatro Nacional 21 insiste na sua equipa de criativos e na permanente abertura e inclusão no mercado de trabalho a novos criadores, técnicos, pois acreditamos num crescimento conjunto, através de uma latente inquietação comum e sempre em busca de um questionamento a caminho de um espectador emancipado. Parte da matriz da nossa companhia passa pela edição da escrita e traduções em português e do desenvolvimento da dramaturgia contemporânea portuguesa e como tal, temos uma tradução inédita feita a partir da língua Inglesa e a consequente adaptação e edição do texto em Português.

    “Embarcar no universo de Yukio Mishima, ao contrário do que julguei inicialmente, mostrou-se uma viagem ao presente e ao futuro próximo. O nosso amigo H., embora diferente do texto homónimo do autor japonês, mantém algumas das suas ideias basilares, alguns dos pilares seguros com os quais erguemos o espectáculo. Esses pináculos fortes que sustêm o inferno na terra são representados por quatro homens: o capitalista, o militar, o sindicalista e o H., o Homem, o líder, que nasce do conflito e da ambição pelo poder. Este H., segundo Mishima é um «génio político», mas eu prefiro chamar-lhe «monstro» ou «monstros» — do passado, do presente e do futuro. Acredito que mostrar a criação destes demónios políticos pode extinguir alguma da chama com a qual se vão alimentando ao longo dos tempos. Acredito que este espectáculo pode ser como o fumo que faz disparar o alarme.” 

    Cláudia Lucas Chéu

    “Como Perder um País”

    As horas que vivemos são difíceis e os anos que aí vêm são de transformação, na minha opinião, suprema. Não há sistemas e políticos que revelem capacidade de os enfrentar e/ou resolver.
    À esquerda e à direita, afirma-se que a democracia está esgotada. O desenvolvimento económico, tecnológico afastam-se do homem e da sua bárbara/primária condição.
    Que fique claro, não há solução fora da democracia, tal como não há solução fora do que está ao alcance das mãos e do homem, numa perspectiva humanista e inclusiva. 
    Mishima coloca-nos um espelho que se revela um caleidoscópio, uma espécie de fresco social, político e humano.
    O Meu Amigo H., a partir de um dos autores mais contraditórios do séc XX, expõe estes mecanismos de sobrevivência política e dá-nos a ascensão do ego, do horror e da desumanização.
    Não basta ser democrata para defender a democracia, nem chega ser provocador para a derrotar.

    Que terror é este, que é o de uma máquina imparável?
    As peças estão agora no sítio.
    Falta o momento, o H.”

"O MEU AMIGO H."
FICHA ARTÍSTICA
a partir do texto de Yukio Mishima

adaptação 
Albano Jerónimo, Cláudia Lucas Chéu, Ricardo Braun

dramaturgia
Ricardo Braun

encenação 
Albano Jerónimo e Cláudia Lucas Chéu 

 actores 
Albano Jerónimo, Pedro Lacerda, Rodrigo Tomás, Ruben Gomes

espaço cénico
Albano Jerónimo

figurinos
Nuno Esteves (Blue) e Albano Jerónimo

desenho de luz 
Rui Monteiro 

 música 
Carincur

 vídeo 
João Pedro Fonseca 

 comunicação
Sara Cavaco

  assistência de produção e encenação
Solange Freitas

direção de produção 
Francisco Leone

coprodutores
A Oficina/Centro Cultural Vila Flor | Teatro José Lúcio da Silva | Culturgest
| Casa das Artes Vila Nova de Famalicão

M/16

agradecimentos
Diana Lopes, Polo Cultural das Gaivotas, Francesca Clare Rayner, Helena Guerreiro, Sara Amorim,
Tiago Pinhal Costa, Doublet Portugal, Luís Puto

apoios
André Ópticas

PRODUÇÃO